Com
todo o avanço da tecnologia e da ciência nesses últimos dois séculos, outra
coisa também se “desenvolveu” com mais rapidez na sociedade: a ansiedade. Com
isso, não quero dizer que só agora é que esse tipo de emoção desvirtuada veio à
tona, haja vista que os relatos bíblicos de mais de 5.000 anos atrás atestam
que o excesso de preocupação e cuidados para com a vida já estavam presentes
naquela sociedade antiga. Prova disso foram as atitudes de Sara com Abraão ao
não esperar o cumprimento da promessa de um filho, optando por gerar uma descendência
fora do casamento. Moisés, com sua atitude temerosa em ser o portador da
mensagem de libertação do povo, também demonstrou leves traços de uma ansiedade
que sufoca e que tolhe a coragem para enfrentar as adversidades diante de si.
De
fato, muitos desses irmãos do passado passaram por tais situações sem saberem o
que de fato estava acontecendo psicologicamente consigo mesmos. A palavra que a
Bíblia usa para diagnosticar essa preocupação exagerada quanto ao futuro chama-se
pecado. E tem muito mais a ver não com o fato de apenas sermos surpreendidos
temendo o que irá acontecer no amanhã, mas sim por esquecermos (ao menos por um
instante) que o controle sobre o futuro não está em nossas mãos. Sara pecou por
não confiar na promessa dada pelo anjo do Senhor, já que confiar na promessa é abandonar
o controle que aparentemente está em nossas mãos. Quando agimos
persistentemente como se o amanhã fosse uma consequência direta e única do que
fazemos hoje, estamos sim pecando contra Deus. Tiramos Deus do banco do motorista
e O colocamos no porta-malas, substituindo-O por nós mesmos na condução de
nossas vidas.
Conquanto
hoje a psicologia moderna possa tratar a ansiedade e seus transtornos como um
tipo de doença emocional, ainda assim os cristãos não devem se esquecer que ela
é tanto uma consequência da Queda como também as suas erupções num momento ou
outro de nossas vidas nos causa outros males (“um abismo chama outro abismo”).
O ponto que quero destacar não é que o fato de sermos ansiosos ou estarmos
ansiosos é uma prova de falta de fé. (A maioria de nós conhece muitos irmãos
que sofrem (ou já sofreram) desse tipo de mal emocional, conquanto demonstrem
uma fé que, se possível fosse, transporia montes). A ansiedade na verdade não
causa a falta de fé, antes a abala, a desestabiliza e em muitos casos a
equivoca. O assunto que quero abordar é acerca das consequências que uma definição
de status ou temperamento como meramente “ansioso”, beirando a acomodação da
condição, acaba por gerar indivíduos vitimistas em vez de lutadores.
Alguns
dos mais importantes pregadores da Bíblia no passado passaram por momentos de
oscilação emocional. Lutero e Spurgeon talvez sejam os casos mais emblemáticos.
Forte, avassaladora e muitas vezes incapacitante, ambos foram surpreendidos
pela depressão e tiveram que lidar com ela até o fim de suas vidas, mas permanecendo
no front dessa guerra interna, guerreando contra si mesmos. Algo curioso é que
boa parte dos nossos antepassados também passaram por situações semelhantes de
desequilíbrio emocional, numa época cuja mentalidade de hoje atribui equivocadamente
como uma vida fácil simplesmente por (supõe-se) não se ter as “preocupações”
que se tem hoje. Esse é um pensamento errôneo, já que não se leva em consideração
que em cada época há os seus prazeres e dissabores, e, consequentemente, em
cada um deles há a variável-gatilho para a preocupação exagerada quanto ao dia
seguinte.
Por
exemplo, em nossos dias é dada uma grande ênfase em garantir uma estabilidade
futura, e nessa estabilidade está embutido o desejo de se ter uma casa própria,
possibilidade de trocar o veículo anualmente, realizar viagens, dar aos filhos
uma boa educação etc. Mas para se “garantir” tudo isso, o indivíduo moderno crê
piamente que exaurir-se no trabalho vale a pena, ainda mais se, depois de conquistar
todas essas coisas, ele puder dizer para si mesmo: “Tudo isso é resultado do MEU
esforço e dedicação!”. O indivíduo moderno não percebe que ele demonstra estar
no controle de sua própria vida, já que (palavras dele) tudo foi conquistado
com o seu próprio braço. Com base nessa sua própria experiência, ele acaba supondo
que nossos antepassados não eram tão preocupados com o dia futuro, já que não
havia algum cuidado sobre viagens, bons colégios ou veículos. Era puro campo,
cavalos e charretes.
No
entanto, os antepassados conquanto não tivessem inquietações semelhantes às que
temos hoje, ainda assim suas preocupações giravam em torno de: manter suas
casas protegidas de ladrões e animais selvagens (o homem da casa assumia o
caráter de protetor e guardião de sua família); ao saber da notícia de
gravidez, havia uma expectativa se o bebê nasceria bem (a medicina era primitiva
e não havia exames tão específicos como os que se tem hoje – o médico se
limitava a apenas auscultar a grávida); os alimentos eram mais escassos etc.
Por mais que hoje analisemos nossos antepassados de uma perspectiva autorreferente,
ainda assim eles possuíam as suas ansiedades e preocupações da vida.
Aqui
faz bem fazermos algumas considerações. Deus permite ao ser humano planejar prudentemente
o que fará no dia seguinte, no entanto, o que Ele não tolera é o planejamento
audacioso, egocêntrico e autorreferente. Qualquer planejamento deve levar em
consideração que a consecução do que foi planejado só acontecerá se for da
vontade do Senhor e se estiver condizente com Seus planos. Mas você pode perguntar:
Como podemos saber se o que estamos planejando faz parte da vontade do Senhor a
fim de não cairmos no erro da mania por controle? Espiritualmente falando: por
meio da oração diária, apresentando diante de Deus suas limitações, lutas,
temores e autorreferência, pedindo a Ele que o auxilie a vencer tais
adversidades. Ser humilde para receber conselhos e críticas de pessoas que o
conhecem são bastante úteis também para saber se o que você planeja é conveniente
e justo, e não oriundo de um pensamento ou comportamento ansioso.
Jesus,
em Mateus 6, nos orienta sobre o dever de não nos preocuparmos com o que
haveremos de comer, beber ou vestir no dia de amanhã, já que Ele mesmo é quem
provê tudo o que nós necessitamos. Ele provê o que nós precisamos, e não o que
queremos. Quando o ser humano se preocupa exageradamente em acumular mais e
mais riqueza com o propósito de garantir estabilidade à sua vida, ele inevitavelmente
pode acabar perdendo de vista aquilo que é mais precioso para si mesmo, que é o
seu relacionamento com Deus. Por isso que, na parábola do homem rico (cf. Lucas
12), Jesus chama esse homem de tolo porque ele se preocupou tanto em apenas
aumentar suas posses e riquezas que acabou esquecendo do que era verdadeiramente
importante: a salvação de sua própria alma.
A
ansiedade que nos acomete sobre o que irá acontecer daqui a pouco tem esse poder
de nos desvirtuar do Caminho, de tirar os nossos olhos do Alvo verdadeiro. É
como quando fazemos compras naquelas lojas de departamento (estilo Lojas
Americanas). Geralmente entramos para comprar um confeito, mas ao nos
dirigirmos para o caixa, entramos naqueles corredores estreitos onde de cada
lado há outras ofertas que nos saltam os olhos. Elas têm a função de nos fazer
comprar mais do que precisávamos – muitas vezes nem fazia parte dos nossos
planos. E, assim, em vez de pagarmos apenas pelo item de nosso desejo inicial,
acabamos nos comprometendo financeiramente mais do que o previsto por algo que entrou
na lista de desejos, mesmo contra a nossa vontade. Assim é a ansiedade: ela nos
desvia do foco necessário de nossas vidas que é Jesus. Ela nos apresenta coisas
que são contra a nossa vontade, mas que se tornam aparentemente necessárias
para o nosso viver. Não demora muito para que aquilo que era aparentemente
necessário torne-se essencial, em seguida, importante, e logo mais, vital.
Dessa forma, a fé que temos no Salvador acaba sendo pouco a pouco desencaminhada
do seu propósito real.
Há
um problema que muitos enfrentam no que diz respeito à ansiedade que é o fato
da apropriação do transtorno. Depois que a pessoa se desequilibra
emocionalmente, caso não sendo tomada as medidas cabíveis para o enfrentamento desse
“pecado-doença”, ela acaba se apropriando daquela condição, passando a se ver a
partir de então como alguém ansioso. Essa condição torna-se agora parte de sua
característica humana (ao menos é o que ela acredita), não demorando para ela
se apresentar diante dos outros como uma pessoa ansiosa. Ela não mais se utiliza
da expressão “luto contra a ansiedade”. Não! Ela basicamente entregou os
pontos, deixou que a ansiedade tomasse conta de seu intelecto, personalidade e identidade.
Por isso que para muitos que sofrem de ansiedade, eles já não mais demonstram vontade
em querer superar tal condição ou continuar lutando contra ela; preferem tranquilizar
suas consciências ao melhor estilo Gabriela: “Eu nasci assim, eu cresci assim e
eu sou mesmo assim...”.
O
indivíduo que sofre de ansiedade “exagerada” (falar isso é quase uma
redundância, já que ao pé da letra ansiedade significa preocupação exagerada) tende
a continuar com seu comportamento de autorreferência, beirando muitas vezes o
egocentrismo, já que se alguém procura orientá-lo ou encorajá-lo a continuar
lutando contra o que o acomete, a tendência dele será ou superestimar sua própria
crise – dizendo que é difícil (senão impossível) superá-la ou que só quem
passou por ela alguma vez na vida entende de fato o que ela é – ou subestimá-la
– e, nesse caso, entra muitas vezes o “negacionismo” do que ele está passando, que
acaba demonstrando não reconhecer que precisa da ajuda de outros para enfrentar
sua luta.
Quando
o indivíduo superestima a ansiedade, ele pode acabar caindo naquilo que o psiquiatra
Theodore Dalrymple chama de sentimentalismo tóxico, cuja pessoa, por
internalizar aquela condição de ansiedade, descamba num comportamento vitimista
diante dos outros. No entanto, curiosamente apesar de ela demonstrar esse vitimismo,
no fundo ela não quer ser ajudada a superar sua condição. O que ela quer de
fato é apenas uma plateia para se sensibilizar do seu sofrimento. Não demorará
muito para que ela se torne dependente emocionalmente dos outros, tendo em
vista a incapacidade e deficiência permanente que ela atribui ao seu estado
mental.
Para
o cristão é sempre difícil notar quando alguém está agindo com autocomiseração ou
não. O amor bíblico não permite fazer acepção de ninguém. Entretanto, é preciso
entender que autocomiseração não é sinônimo de humildade. Muitas vezes, o
indivíduo que sofre de ansiedade acaba relatando sua condição apenas com o
objetivo de ser visto como alguém digno de pena (embora não queira ser ajudado),
e não contrito ou reconhecedor da sua miserabilidade. O cristão precisa ter o
discernimento para identificar quando está diante de um indivíduo, um irmão na
fé, que sofre de ansiedade, não obstante esse irmão esteja agindo com autocomiseração
em vez de humildade para reconhecer que precisa de ajuda na luta contra as suas
crises emocionais.
A
Bíblia nos orienta a suportar-nos uns aos outros – “é melhor dois do que um,
pois se um cair, o outro pode levantá-lo.”. No entanto, quando o indivíduo que
sofre de ansiedade não admite sua condição, o suportar torna-se uma empreitada ainda
mais difícil. É como o viciado em drogas da família que diz poder parar a qualquer
momento, mas nunca chega esse momento e tampouco reconhece o seu vício. O amor
bíblico não é para ser conivente ou complacente com o pecado, a falha e os equívocos
do irmão, mas sim para ser confrontador e exortativo quando se faz necessário. Muitas
vezes, o indivíduo que sofre de ansiedade já se posiciona em autodefesa contra
qualquer um que levante o tema da superação da ansiedade, e, assim, ele acaba
procurando respostas, das mais mirabolantes, para justificar a sua atitude passiva
frente à sua condição ansiosa. Expressões como “Você não entende o que é a
ansiedade” ou “Quando você passar por ela, aí você pode falar dela” são as mais
comuns. Mas, novamente, agir assim é se esquivar do problema e não querer sair
dele.
A
energia despendida pelo indivíduo que sofre de ansiedade seria mais bem empreendida
se ele a utilizasse para perseverar na luta contra a sua condição. Muitas vezes,
ele prefere criar todo o tipo de argumento para justificar a acomodação ao seu
distúrbio do que se submeter aos conselhos ou à ajuda que outras pessoas lhe
oferecem. E, conquanto ele aceite a princípio tal ajuda, a autodefesa uma vez
ou outra surge quando ele opta por atentar a uma palavra ou expressão dita do
que ao todo apresentado. Tudo isso, sim, sabemos que é fruto do desequilíbrio
emocional que o acometeu, por isso é peremptoriamente necessário que o
indivíduo procure ser lembrado de quem ele é enquanto imagem de Deus. Tendo em
vista que o indivíduo acabou assimilando essa condição de ansiedade para si mesmo,
tornando quase que inerente ao seu ser, somente quando substituímos essa condição
assimilada por Aquilo que é de fato o importante e vital para o ser humano é
que o indivíduo passará a ter uma vida longe da ansiedade, conquanto por ainda
estar neste mundo possa ser acometido em um ou outro momento por um pensamento
ansioso ou planejamento imprudente.
Timothy
Keller diz que os ídolos falsos que se instalam no nosso coração só podem ser
sobrepujados com a instalação de Algo maior do que eles mesmos. As preocupações
psicológicas que temos podem acabar se transformando em ídolos do nosso viver.
Para superar isso, somente quando nos apropriamos de Jesus como nosso Consolador,
Pastor e Senhor da nossa vida é que seremos libertados desses ídolos que acabam
causando em nós ansiedades, crises e transtornos. Enfatizo novamente que estar
ansioso não é falta de fé, mas sim um desvirtuamento dela, e infelizmente pode
acabar gerando idolatria caso passamos a nos ver meramente como alguém cuja
ansiedade faz parte da nossa constituição humana e identitária.
Aos
irmãos de fé que sofrem desse desequilíbrio emocional, saibam que podem contar sempre
com um ombro amigo para lhes confortar e consolar por meio da Palavra, mas não
esperem ouvir aquilo que querem ouvir, e sim o que precisam para continuar na
sua luta contra a ansiedade e quiçá superá-la. O primeiro passo é sempre
reconhecer a nossa mazela e que precisamos da ajuda do Alto. Choraremos quando for
preciso chorar, mas nos alegraremos ao sermos lembrados de que a Esperança que
precisamos para lutar contra tais emoções tóxicas se encarnou, morreu por nós e
ressuscitou. E que essa Esperança também lutou contra e venceu as aflições do mundo.
Afinal de contas, somos servos do Deus Altíssimo, preparados para combater o
bom combate, concluir a carreira, sempre guardando a fé que Ele nos deu, e, no
final, a coroa que herdaremos suplantará qualquer cruz (sofrimento, adversidade
e luta) que aqui passarmos. Em suma: “Lancem sobre ele toda a sua ansiedade,
porque ele tem cuidado de vocês.” (1 Pedro 5.7) e, “Mas eu, quando estiver com
medo, confiarei em ti.” (Salmos 56.3).