domingo, 1 de novembro de 2020

Teoria e prática nem sempre é causalidade

"Ah, mas isso só funciona na teoria!" Quantas vezes nós já não ouvimos esse tipo de afirmação, ou às vezes até nós mesmos já não nos flagramos falando isso? Claro, há muitas coisas que, quando sua teoria é aplicada nos mínimos detalhes, mostram-se falhas e ineficazes. Destas, infelizmente, há pessoas que ainda não conseguem se demover da ideia de implementação e, por isso, continuam numa empreitada utópica.

Tais teorias vão desde sistemas econômicos, formas de governo, políticas públicas a métodos de agricultura etc. Mas talvez algo que volta e meia seja tachado como um "discurso que pode até ser bonito na teoria, mas na prática a coisa é diferente" são determinadas lições ou instruções extraídas da Bíblia, como, por exemplo, casamento, criação de filhos, administração do lar e das finanças, incluindo até mesmo o desenvolvimento da maturidade cristã.

Em muitos casos, a Bíblia nos dá orientações de como procedermos bem e corretamente para que Deus seja glorificado. Um casamento que se pauta pelas Escrituras deve ter como princípio basilar o fato de que o marido crente é responsável pela vida espiritual da esposa, e que negligenciar tal tarefa pode trazer consequências sérias no seu relacionamento com Deus.

Por mais que leiamos os textos que Paulo nos instrui a como viver o casamento, é certo que nem sempre agimos da forma como gostaríamos e, por isso, não é surpresa quando acontece de nosso casamento não refletir tão bem o relacionamento espiritual entre Cristo e sua noiva, a igreja. Quando isso acontece, é imprescindível sermos conduzidos de volta ao prumo do que é o verdadeiro casamento, e isso pode ser feito tanto por irmãos sábios que nos aconselham pela Palavra como também pelo estudo de livros que tratem sobre o tema.

Geralmente, quando um casamento está em frangalhos e começamos a instruir um dos cônjuges sobre a necessidade de se respeitar determinados valores estabelecidos por Deus, a resposta que mais ouvimos é: "Isso tudo é muito bom na teoria, mas na prática não funciona [ou não funcionou] no meu casamento." Esse tipo de pensamento é bem comum entre aqueles que esperavam desenvolver um modo de vida derivado literalmente das Escrituras, do tipo "Se eu fizer isso, acontecerá aquilo..." ou "Se eu agir assim, obterei tal coisa...", como se fosse um tipo de relação direta de causalidade.

Mas essa forma de pensar é um equívoco, já que nem toda passagem bíblica instrutiva ou orientativa funciona por esse prisma direto de causa e efeito. Por exemplo, o fato de Salomão nos deixar como provérbio que se ensinarmos nosso filho o caminho em que ele deve andar, quando ele for mais velho não se desviará dele (cf. Pv 22.6), não é uma relação causal, mas sim de probabilidade -  a possibilidade de que o nosso filho opte por caminhar errante pelo mundo é maior quando não o ensinamos o caminho correto no qual ele deve andar e permanecer, ou seja, a instrução bíblica nem sempre é dogmática, mas sim algo que nos mostra qual a melhor forma de proceder para obter determinado fim desejado, não sendo esse fim necessariamente o único possível.

Esse tipo de raciocínio de causa e efeito pode se tornar bem problemático no seio da igreja, ao ponto de podermos nos tornar intolerantes com qualquer ensino que, primeiro, denuncie a nossa falha e, segundo, nos aponte o jeito certo de agir. A tendência é tomarmos como parâmetro apenas a nossa experiência sobre determinado fato e passarmos a desacreditar ou desconsiderar qualquer outra experiência que seja divergente da nossa, que tenha tido resultados positivos e saudáveis, enquanto a nossa se mostrou débil e negativa.

É por isso que, volta e meia, somos pegos de calças curtas com esse pensamento falacioso acerca da teoria e prática que vivenciamos. Enquanto não compreendermos que a teoria é o nosso fator balizador para as nossas atitudes, e que se a desprezarmos seremos mais facilmente levados ao comodismo por não querer mudar e a um tipo de negacionismo prático, continuaremos com atitudes de desqualificação perante ao que de fato dá certo quando feito com os olhos no Altíssimo e não em nossos métodos ou em nós mesmos.