Por mais que, como cristãos, dizemos ser servos de Cristo, anunciando o
seu Reino, declarando as boas-novas de salvação e entrando em comunhão com os
santos, infelizmente ainda padecemos de muitos equívocos na nossa vida prática,
que advêm muitas vezes de compreensões errôneas de lições das Escrituras. Um
desses equívocos diz respeito à mordomia, ou, falando a linguagem moderna,
Educação Financeira.
E aqui não é preciso ser um economista ou financista para entender que se não administrarmos bem nossas finanças, é certo dizer que passaremos por maus bocados.
Alguns comportamentos de nós, cristãos, dificultam o exercício da boa mordomia. Podemos citar dois como exemplo: (i) confundir contentamento com comodismo e (ii) gastar tudo que ganha é melhor do que multiplicar as próprias finanças. Discorramos um pouco sobre cada um.
No primeiro caso, nota-se um equívoco que torna a vida cristã infértil, pois quando subentendemos que o estar contente é sinônimo para não movermos nenhum músculo para melhorarmos o ambiente à nossa volta, então caímos no dilema enganoso da preguiça.
Quando Paulo diz que aprendeu a estar contente em toda e qualquer situação (Fp 4.11-13), ele não diz isso como uma ode à acomodação, mas sim em reconhecimento à sua dependência de Deus. Em outra carta (2 Ts 3.10-12), Paulo diz que aquele que não trabalha não deveria também fazer parte dos ganhos e lucros (o comer à mesa). O Pregador, no livro poético, pede a Deus o necessário para viver a cada dia (Pv 30.8,9), revelando contentamento e não acomodação.
Contentamento difere e muito de comodismo, pois este é retroalimentado pela preguiça. E preguiça é um dos assuntos que a Bíblia denuncia como algo que causa ojeriza ao próprio Deus, tendo em vista Ele não ser preguiçoso, por conseguinte, requer o mesmo daqueles criados à sua imagem e semelhança.
No âmago da igreja cristã, é comum vermos uma enorme gama de pessoas que, por persistirem nesse equívoco de compreensão entre contentamento e comodismo, recusam sugestões sobre investir parte de seus ganhos no mercado financeiro, crendo que Deus será mais glorificado nelas à medida que elas fizerem um voto de miserabilidade, em vez de desfrutarem de uma vida de ambição (por mais que essa ambição seja piedosa, e não pecaminosa).
Muitas pessoas se esquecem que podem ser também canais de benção financeira para outras que passam por necessidade. Infelizmente, esse tipo de mentalidade acomodada conduz a uma forma de parasitismo na fraternidade cristã, pois por confundir contentamento com comodismo, o irmão utilizar-se-á de um fideísmo baseado na dependência de Deus para se colocar sempre como alguém que as outras pessoas terão que ajudar, em vez de ele mesmo poder sair da sua letargia para também ajudar outros. Na igreja, deve haver pessoas necessitadas, e não parasitas.
No segundo caso - gastar tudo o que ganha em vez de multiplicar as próprias finanças -, o testemunho fica ainda pior, pois a pessoa se torna o típico "filho pródigo", que procurará aproveitar a vida ao máximo, erradamente pensando que viver dessa maneira é glorificar a Deus, já que demonstra confiança de que Deus irá prover o pão do próximo dia, não sendo necessário, então, administrar com seriedade e boa-fé os recursos que Ele dá.
Esse falso conceito esbarra justamente na parábola dos talentos(Lc 19.12-27; Mt 25.14-30), onde o senhor beneficia e congratula os servos que lhe foram fiéis - multiplicaram os proventos que o seu senhor os havia incumbido de administrar -, enquanto dá a sentença de maldição ao servo que preferiu não negociar o que lhe foi encarregado pelo seu dono.
Curiosamente, atrelamos a passagem apenas ao aspecto do serviço na obra de Cristo, o que de fato é o sentido primário, mas esquecemo-nos que fomos criados inteiros por nosso Senhor. Não somos seres compartimentados; toda a nossa vida deve agir uniforme e congruente. Se Jesus tira um exemplo da relação econômica de uma sociedade para ensinar sobre fidelidade, obediência e responsabilidade, então além de sermos ensinados sobre o aspecto espiritual do serviço, somos também ensinados sobre o que ele requer de nós no âmbito pessoal na administração financeira.
Esconder dinheiro, em vez de investi-lo, ou gastá-lo prodigamente são faces de uma mesma moeda, a moeda da má mordomia. E, infelizmente, muitos cristãos têm peregrinado por esse caminho de negligência financeira.
Concluo com um adendo prático. Não é preciso ser rico ou ter uma soma absurda de dinheiro para começar a multiplicá-lo ou ajudar outras pessoas. A boa mordomia diz mais a respeito de O QUE fazer e COMO fazer do que COM QUANTO fazer. Sendo assim, alguém que é autônomo, por exemplo, pode multiplicar suas posses de uma forma a ajudar outros que passam por dificuldade, basta apenas boa vontade, conhecimento básico de que não se deve gastar com futilidades e possuir um padrão condizente com a sua situação atual.
Se não somos bons mordomos, é certo que caímos no erro de não vivermos o cristianismo que confessamos. A educação financeira começa por reconhecermos que Deus nos dotou de capacidades intelectuais e técnicas para administrar o que Ele nos deu, de uma forma que redunde em glória a Ele e ajuda ao próximo. Nos tornarmos ricos ou pessoas com grandes recursos é uma consequência que poderá vir caso sejamos bons mordomos, mas que é totalmente ofuscada quando o nosso interesse é em sermos fiéis ao nosso Deus, que é o Dono do ouro e da prata.