quinta-feira, 30 de abril de 2020

Bajulação não é sinônimo de amor


Na igreja (assembleia) há pessoas dos mais variados tipos: tímidos, corajosos, ouvintes, faladores, atuantes, perseverantes, acomodados etc. Podemos não perceber, mas volta e meia nos defrontamos com aquele que pode causar um grande dano ao serviço cristão. Refiro-me ao bajulador.

O bajulador, muitas vezes, age de forma sutil, não apenas por meros elogios, mas através de comportamentos aparentemente piedosos e motivacionais. Isso não quer dizer que não devamos elogiar alguém ou sermos solícitos e motivadores aos nossos irmãos. Pelo contrário, a mente verdadeiramente cristã (que não se preocupa com reciprocidade ou em granjear status no círculo eclesiástico) consegue elogiar e motivar as pessoas de uma forma que sempre aponte para Aquele que a redimiu.

Como mencionado anteriormente, o objetivo principal do bajulador é adquirir status (mais até do que receber tratamento recíproco). Sendo assim, ele procurará direcionar todos os seus atos e "benevolências" àqueles que de uma certa forma possuem alguma "relevância" na igreja: na maioria das vezes, pastores e líderes; em casos excepcionais, determinadas pessoas que possuem certa amizade com outros que o bajulador considera como "relevantes".

Mesmo sabendo que na igreja não há hierarquia vertical, e sim horizontal, já que todos somos membros de um mesmo Corpo, o bajulador ainda assim acaba interpretando as posições exercidas por essas pessoas (pastores e líderes) como algo preponderantemente de alta classe, por isso ele age procurando se achegar e se envolver a tais pessoas por meio de comportamentos cada vez mais lisonjeiros, conquanto aqueles que são o alvo de seu intento muitas vezes não percebam.

O fato de nós geralmente não percebermos que estamos sendo vítimas do bajulador é que nos falta a prudência devida para discernirmos tais atitudes. Encantamo-nos muito facilmente quando nos tratam bem - pensamos logo que aquela pessoa está exercendo o altruísmo cristão, o que é o esperado de qualquer um que se professe cristão, no entanto, temos que ser relembrados que, mesmo dentro da igreja (assembleia), há lobos vestidos de peles de ovelhas e que podem confundir nossas mentes.

Um exemplo de como devemos ser prudentes a fim de não nos tornarmos vítimas do bajulador/adulador vem do próprio Jesus. Na passagem de Mateus 22.15-22, que trata sobre a questão do pagamento de tributo (uma das passagens mais conhecidas e citadas no mundo), os versículos 16 e 17 acabam passando despercebidos em nossa leitura, e é justamente onde se encontra um bom ensino sobre o fato de sermos prudentes e atentos quanto à bajulação. Os fariseus sempre engendraram táticas para tentar pegar Jesus em alguma falha. Dessa vez, eles se juntaram com outro grupo religioso (os herodianos) para atingir seu intento. Pois bem, alguns discípulos desses dois grupos (provalmente os mais destacados) se juntaram para enfim surpreender Jesus. Curiosamente, esses discípulos não chegaram mostrando explicitamente seu objetivo. Pelo contrário, eles se aproximaram de Jesus elogiando o ensino dEle ("ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade..."), bem como o próprio caráter de Jesus ("és verdadeiro...não olhas a aparência dos homens"). Mas todos esses elogios eram falsos, já que não correspondiam ao que de fato eles pensavam sobre Jesus.

O bajulador dentro da igreja age de forma semelhante. Para conquistar o status que tanto anseia, ele consegue expressar palavras que não correspondem de fato ao que pensa. O intento dele é unicamente chegar ao posto tão desejado, pois com isso (ele pensa) as pessoas poderão valorizá-lo mais, respeitá-lo mais e, quem sabe, bajulá-lo mais. Sua conduta para com líderes e pastores é totalmente diferente da que ele tem para com os demais membros. Não é que ele também não bajule membros "comuns" da igreja. Em alguns momentos ele se mostra solícito e adulador a seus irmãos de fé, entretanto, se um dia ele puder escolher entre ajudar, por exemplo, o irmão "comum" ou ajudar o líder/pastor, conquanto a necessidade do irmão "comum" seja mais gritante do que a do irmão líder/pastor, o bajulador inevitavelmente escolherá ajudar a quem (conforme ele pensa) pode trazer mais reconhecimento e status, que, nesse caso, será ajudar o líder/pastor. Por alguma forma equivocada de ler a Bíblia ou de ter compreendido erradamente a mensagem do Evangelho e do que significa o serviço, o bajulador crê piamente que se posicionar mais perto dos que possuem cargos de liderança na igreja ou que tenham visibilidade, consequentemente, fará ele ser mais notado como alguém de caráter ilibado ou piedoso.

Continuando o relato de Mateus 22, o texto nos informa que, assim que aqueles discípulos interpelaram Jesus e fizeram a pergunta, o Messias identificou logo de cara que a postura elogiosa deles, antes de fazerem a pergunta, escondia uma malícia por trás. O que eles disseram sobre o Mestre era apenas para esconder a arapuca em forma de pergunta. O texto nos diz que Jesus conheceu a malícia deles em forma de bajulação. E deu a resposta à altura do que merecia a pergunta. Ou seja, Jesus identificou a conduta bajuladora daqueles discípulos e não passou a mão pela cabeça deles.

Na nossa vida cristã devemos ser perspicazes em identificar qualquer tipo de caráter desvirtuante de uma vida que se diz redimida por Cristo. Não é que tenhamos que ser céticos a qualquer tipo de elogio que nos dão, ou tampouco tornarmo-nos fiscais da conduta do outro, mas temos que ser menos românticos nas nossas relações e mais prudentes na maneira como recebemos determinadas pessoas, principalmente se exercemos cargos de liderança. O porquê disso não é por estarmos inseguros quanto a sermos destituídos do cargo e nos substituírem por aquele que nos bajulava. Antes, a importância de termos prudência é que isso também faz parte da preocupação que devemos ter com relação à saúde espiritual dos membros que fazem parte do Corpo.

Um bajulador dentro da igreja tem a capacidade de deturpar, como um toque de Midas às avessas, o significado da expressão "acepção de pessoas" de uma forma que beneficie a ele mesmo. Dificilmente você verá o bajulador praticando o básico de qualquer relacionamento interpessoal cristão, que é a exortação, admoestação ou reprimenda a algum irmão faltoso. Pelo contrário, para ele, fazer isso é denegrir a sua própria imagem diante das pessoas, tendo em vista que (conforme ele pensa) tais condutas não trazem a ele visibilidade positiva diante dos outros.

Para o bajulador, o mais importante será a quantidade de vezes que ele elogia alguém (conforme ele pensa) da alta classe eclesiástica ou o quanto de serviço aparentemente piedoso ele exerce na companhia daqueles a fim de granjear ainda mais visibilidade e reconhecimento. Qualidade é uma palavra com que ele pouco se importa, ainda mais se se referir à sua própria condição espiritual.

Sendo assim, precaver-se contra bajuladores também é um assunto que está na Bíblia, e com exemplos de como se comportar diante deles vindos do próprio Salvador e Redentor Jesus. Qualquer bajulador pode um dia ser curado de sua bajulação, e, enfim, substituir sua bajulação a pessoas pela adoração unicamente a Deus. Podemos não saber logo de cara quem se porta como um adulador, mas se tivermos verdadeiramente a mente de Cristo saberemos identificá-lo por causa de sua conduta. Por isso temos que ser "simples como as pombas, e prudentes como as serpentes".